Decisão do Copom de manter taxa de juros pode limitar crescimento da atividade econômica, avaliam especialistas

Segundo analistas, Selic está alta há bastante tempo e freia o setor produtivo e o crescimento econômico do país; expectativa é de que comitê inicie a redução gradual do percentual na próxima reunião

  • Por Jovem Pan
  • 22/03/2023 18h59 - Atualizado em 23/03/2023 17h54
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Adriano Machado/Reuters Homem passa em frente ao prédio do Banco Central em Brasília Copom decidiu pela manutenção da taxa Selic pela 6ª vez consecutiva, em 13,75% ao ano

Nesta quarta-feira, 22, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu manter a taxa Selic em 13,75% ao ano. A medida já era esperada por economistas, mas foi recebida de forma mista pelo mercado, que aguarda a redução gradual do percentual. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou como ‘equivocada’ a decisão. Na avaliação da instituição, o Copom já deveria ter iniciado o processo de redução da Selic nesta reunião. “Para a CNI, a Selic em 13,75% ao ano está em nível acima do necessário para garantir a manutenção da trajetória de desaceleração da inflação nos próximos meses. A taxa básica de juros no patamar atual foi um dos fatores determinantes para a desaceleração da atividade econômica no final de 2022, com destaque para a retração de 0,2% no PIB do último trimestre. E seguirá sendo um limitador significativo para o crescimento da atividade em 2023, quando as previsões para o PIB indicam alta de apenas 0,88%, segundo o Boletim Focus do BC”, afirmou a CNI em nota.

“No momento, a CNI explica que é fundamental levar em consideração que os eventos adversos relacionados a grandes empresas varejistas no Brasil terão influência negativa sofre o mercado de crédito. Esses acontecimentos têm levado ao aumento de provisões por parte dos bancos, o que reduz a oferta e tende a encarecer o crédito. Assim, deve haver retração das concessões de crédito nos próximos meses, com reflexos negativos sobre a atividade econômica. Além disso, as dificuldades enfrentadas por bancos nos Estados Unidos e na Europa também devem levar a aperto nas condições de crédito nessas regiões, com provável alteração na trajetória até então esperada de elevação nas taxas de juros básicas. Na avaliação da CNI, é preciso que o governo tenha cautela na condução dos gastos públicos, para evitar que a taxa Selic permaneça em patamar alto, com prejuízo para a atividade econômica”, complementou.

Contudo, analistas do mercado financeiro observam que a medida pode ser positiva no longo prazo e ajudar a diminuir a inflação. Todavia, o cenário também depende da recepção do arcabouço fiscal, que será apresentado em 1º de abril. “Se não houver mudanças no cenário internacional e a projeção da nova âncora fiscal der sinais positivos, a manutenção da taxa de juros deve trazer resultados positivos na redução do processo inflacionário. Com isso, pode haver uma redução progressiva da Selic, fechando o ano na casa de 12,25% ou 12,75%. Tudo isso depende muito das variáveis internacionais. Outro fator que temos que levar em consideração é que o Banco Central tem que garantir o poder de compra da moeda brasileira. Essa obrigação de manter a inflação dentro da meta se torna vital para garantir que o órgão cumpra sua principal função. O principal foco da política econômica hoje é a garantia da austeridade fiscal e o novo arcabouço é de extrema importante para garantir isso”, aponta Alessandro Azzoni, economista e conselheiro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alessandro Azzoni.

Apesar disso,  a alta de Selic também é negativa para o mercado consumidor. Azzoni explica que uma taxa de juros muito alta freia o setor produtivo e, para estimular o crescimento econômico, é preciso ter uma redução para fazer com que o custo do dinheiro seja menor. Além disso, diversos setores sofrem com o alto valor de financiamentos, potencialmente se tornando inviáveis. “Temos uma projeção de inflação de 5,96% e o juros hoje é mais que o dobro disso. Esse é um valor totalmente exorbitante. Antigamente, se tínhamos uma inflação de 6%, a Selic ficava em torno de 8% a 9%. Isso extrapola e vem frear o processo econômico brasileiro”, pondera.

Co-head de investimentos da Arton Advisors, Raphael Vieira, complementa que a manutenção segue o esperado após a crise bancária nos Estados Unidos e Europa. “Isso demonstra que o Banco Central está monitorando essa situação e que o balanço de riscos mudou. Se o mercado internacional piorar significativamente, podemos vir a ter uma convergência dessa política monetária, que tem sido contracionista. Podemos ver o Banco Central cortando juros, se isso se agravar. Mas ainda existe uma desancoragem nas expectativas de inflação e, por isso, o órgão mantém a taxa de juros. O tom foi um pouco mais ‘dovish’ do que no último comunicado. O Copom cita o arcabouço fiscal, a reoneração dos combustíveis que dá um pouco de fôlego nas contas públicas e deixa a porta aberta. O recado é uma sinalização que o o cenário fiscal pode ser que melhorado, caso eles enxerguem uma trajetória da dívida pública mais clara e piora do cenário internacional, no que diz respeito a uma crise liquidez e crédito. Isso pode levar a uma antecipação ou abertura de corte de juros mais cedo do que o esperado”, indica.

Para Jaqueline Benevides, analista de Renda Fixa do TC, não houve muitas novidades no mercado, por isso especialistas aguardam a ata oficial para entender o que esperar para a trajetória dos juros no Brasil. “De antemão, minha expectativa é a de que, a não ser que o arcabouço fiscal venha muito favorável, os juros só começarão a arrefecer a partir da quarta reunião, prevista para 21 de junho. Antes disso, os juros devem continuar no patamar de 13,75% a.a. Vale ressaltar que os juros nesse patamar prejudicam a performance de diversos setores, como o varejo. Podemos esperar ainda um aumento na solicitação de recuperação judicial de algumas empresas alavancadas e um aumento na inadimplência de pessoas físicas e pequenas empresas”, observa.

CEO da fintech InvestAi, Lucas Seixas complementa que as taxas elevadas de juros irão perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação, mas também a ancoragem das expectativas em torno das metas. “Ou seja, além de a inflação reduzir, a projeção do mercado para a inflação em 2024 deve estar em linha com a meta de inflação – algo que ainda não ocorreu. O mercado acredita que a inflação de 2024 irá superar novamente a meta de inflação. Um ponto relevante para analisarmos, é que o Copom deixou claro que se comportará de forma autônoma e não cederá a pressões políticas”, ressalta.

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